Psico-Socializando por Henrique Weber

Por que os pacientes se agarram a doença por longos anos?

Caro leitor, quero advertir que este texto exigirá um esforço para a compreensão, porém, oriento seguir até o final, pois garanto que se atingirá o entendimento.

Um fenômeno interessante que me deparo na clínica é quando o paciente busca por terapia, e que em muitos deles existe uma predisposição em se manter na doença mental, ao invés de sair dessa situação, de superar seus problemas e melhorar o seu estado psíquico. Segue alguns exemplos: pessoas que se queixam o tempo todo em estar doente, mas ficam conformadas com a situação, como se fosse seu destino, pois seus pais também tiveram os mesmos problemas; ou, pessoas que saíram de uma situação de violência às duras penas, e depois retornaram para a mesma condição; ou, pessoas que ficaram ligados a vida toda a alguém como penitência, colocando grilhões na própria vida; ou, gente que não larga o sentimento de culpa como que aquilo fornecesse um pequeno prazer para que ela permanecesse ligado ao problema; ou, o prazer em se boicotar, se ridicularizar, se diminuir; ou, pessoas congeladas no episódio traumático. E existem mais exemplos, são inúmeros. Pra quem está de fora, observando a pessoa que sofre, pode ver como um absurdo a situação de ficar ligado à doença e não conseguir reagir e superar seus problemas.

Quero poder elucidar o por que isto acontece. Pra ficar mais prático, vamos imaginar um bebê: ele é regido pelo princípio do prazer. Se ele quer algo, ele vai atrás, pois precisa alcançar um objeto para se sentir gratificado. Se ele se sente sozinho, ele chora para comer e chama a mãe; se ele tem muita energia, ele corre o tempo todo. No corpo dele há uma carga, sentida como tensão, da qual ele procura meios para dissolver a tensão e se satisfazer. Estes meios são a mãe, a comida, os objetos. No campo emocional, ele vai encontrando maneiras de trocar afeto na teia familiar (mãe, pai, irmãos, avós, etc), e também vai construindo um caminho para amar e se sentir amado. Repetir este caminho, inúmeras vezes, é uma maneira de autoconservação da vida. À medida que o bebê e a criança cresce, vai-se estabelecendo uma espécie de diques para esta pulsão de que tudo quer, que vai freando o seu impulso de querer gratificação imediata, ele vai regulando essa vontade através dos mecanismos psíquicos. Temos a sublimação da energia quando, por exemplo, temos vontade de namorar e a gente usa esta vontade para outros fins, como dançar e cantar. Temos a repressão quando tentamos inibir completamente o impulso e as ideias que estão ligadas a ele. Acontece que não passamos pela vida, sem se machucar com os outros, sem se decepcionar, sem brigar, sem ser rejeitado. Estas experiências ruins, vividas como conflitos (significativos), são muitas vezes reprimidas na nossa mente. Na verdade, uma parte deste impulso (aquele sentimento proibido de sentir) é negado a entrada na consciência e fica no inconsciente, e uma outra parte do mesmo impulso toma outra forma para poder ser tolerado pelo ego e entrar na consciência, e ser repetidamente satisfeito. Esta é a natureza do conflito inconsciente, ele precisa se transformar em algo aceitável com a finalidade de conseguir se expressar e passar a barragem (dique) para a consciência. O que é reprimido se esforça por querer se expressar, em detrimento de uma força contrária (do ego) que se esforça para proibir e deixá-lo guardado no inconsciente. Neste processo, se gera um desprazer, sentido como uma tensão psíquica ou corporal. Esta tentativa de se expressar é repetidamente tentada.

Assim, eu quero chamar a atenção para esta compulsão à repetição que tem a característica da temporalidade. Ela não se cansa, e se conserva ao longo do tempo. Então, um conflito gerado aos quatro meses de idade, por exemplo, um desmame precoce, pode ser sentida como uma rejeição, formando futuras pessoas carentes ou pessoas insatisfeitas na fase adulta, e que a cada relacionamento, vai se repetir estes traços conflitivos. Então, ao longo da vida, vamos transformando os nossos conflitos, porém o teor/ a base segue sendo conservado no inconsciente. Isto produz sintomas e doenças, como a ansiedade, a depressão, e muitas outras; produz problemas de relacionamento, de autoestima, determinam as nossas escolhas na vida. E, vamos repetindo as mesmas queixas, vamos nos colocando nas mesmas situações embaraçosas, porque não elaboramos (tratamos) esses conflitos psíquicos.

Na experiência traumática, este mecanismo funciona da seguinte maneira: um abuso sexual, por exemplo, gerará no sistema psíquico uma carga grande de energia, de estímulos, representada por sensações, imagens ou sensação de morte, que fica difícil de controlar tanta excitação. As crises nervosas se comportam como uma enxurrada de pulsões desagradáveis que fica difícil de contê-las. A repetição neste caso toma uma função de construir e reforçar os diques de contenção da pulsão, criando resistências para que a pessoa se estabilize e evite futuros efeitos do trauma. É uma tentativa de se desligar através da repetição que ocorre no processo psicoterapêutico ou em outro ambiente protegido, com pessoas confiáveis.

Temos, então, uma pulsão que nos liga às pessoas, aos nossos projetos e a vida, e temos outra pulsão, da ordem do reprimido (do recalcado), que busca nos desligar das pessoas que amamos, da vida que almejamos, como se tivéssemos uma vontade de sofrer ou de morrer. Por isso que encontramos pessoas que tem como propósito não querer se ligar a vida, de querer se desligar de tudo, porque suas mágoas, sua condição existencial está emaranhado em conflitos não resolvidos, que vem desde lá do início da infância, muitas vezes. Georg Groddeck, psicanalista da geração posterior a Freud, relaciona o doente com a criança dizendo que não há nada tão poderoso quanto estes dois entes no quesito “ser cuidado”, que a doença pode ser um desejo (de poder), uma sedução difícil de resistir, pois ele cessa a nossa responsabilidade para com a vida, adiando os conflitos internos para serem resolvidos depois. Adoecer é a única possibilidade de ter de novo uma mãe, uma cuidadora, sem o sentimento de culpa ou a vergonha. Assim, a fuga para a doença apresenta enorme vantagem para uma pessoa que resiste em carregar o seu fardo.

Concluindo, ficar preso à doença pode ser encarado como um gozo mortífero. Gozo porque está ligado ao princípio do prazer, que é o mecanismo natural do ser-humano de tensão e saciedade. Mortífero porque nos desliga da vida, da expansão e do crescimento. A pessoa quer ficar repetindo o gozo da sua doença, em última instância, procura por sua morte. Para o psicanalista Renato Mezan, a compulsão à repetição tem o efeito de não modificar coisa alguma, repetindo-se a mesma coisa indefinidamente, para restabelecer um estado de coisas anterior (lá na infância), é uma recusa do tempo ou da modificação da sua situação psíquica.

Psicólogo clínico, Palestras e atendimentos on-line

Facebook: Henrique Weber

Email: weber.henrique@gmail.com

Contato: Fone/WhatsApp: (51) 992654020

Centro Multiprofissional:

Rua Dom Pedro II, 2266 – Canabarro – Teutônia, (51) 3762-8077