Psico-Socializando por Henrique Weber

“Jovens, Envelheçam!” – um olhar sobre o erotismo e o adultério

Esta frase, que está entre aspas, é de Nelson Rodrigues, jornalista, escritor e dramaturgo dos anos 1940 a 1970. No teatro, suas peças traziam um olhar sobre o erotismo de forma realista, popular, faziam uma crítica a tradição do casamento na classe média brasileira, numa época em que a mulher não podia manifestar seus desejos. Ele denunciou a hipocrisia sexual de homens e mulheres que se deixavam levar pelos impulsos sexuais, até aos atos de depravação e outras anomias sociais. Nelson foi taxado como um pornográfico que corrompia a instituição familiar conservadora e os bons costumes.

O personagem de suas obras costumava ser vil, deturpado pela repressão sexual, que buscava dar vazão aos seus desejos, em segredo, sem enfrentar os valores sociais repressores. Contudo, a catarse dos personagens extravasava para a licenciosidade sexual, era uma amostra do desejo inconfesso de toda uma coletividade. Assim, o autor apresentou os aspectos patológicos da sociedade de um determinado tempo, bem como a natureza instintiva do ser humano. Naquela época, a nudez, o sexo, era algo muito reservado; o cinema erótico apenas insinuava, mas não explicitava; e a revista de adultos era restrita, e causava grande constrangimento, tudo ficava em segredo. Sexo era algo visto pelo buraco da fechadura, pois ficava estritamente reservado entre quatro paredes.

Nelson retratou, muito bem, os dilemas vividos pelas mulheres da sua época. Estas viviam uma ansiedade sexual na busca por um casamento que unisse a felicidade conjugal, a proteção econômica e o aceite social (dos seus pais). A mulher, após o casamento, ganhava um status que a colocava numa posição idealizada, a da Mãe-Pura, que a prejudicava, pois ela tinha que reprimir sua sexualidade para dar conta desta imagem social.

A sexualidade era vista como pecado, como o mal, que não podia se manifestar, a não ser na intimidade do quarto, caso o marido conseguisse se desvencilhar também da sua ansiedade sexual. Digo isto porque, a posição virginal materna da mulher causava dificuldades para o homem que não conseguia desposar dessa figura idealizada, era como se fosse, inconscientemente, fazer sexo com a sua própria mãe. Assim, o marido buscava fora de casa o pecado para preservar o purismo de sua esposa. Já a mulher era possuída por sua volúpia reprimida, seu apetite insatisfeito, como uma força estranha que era mais forte que ela, que falava em sua mente, e a provocava a largar mão de seu controle débil para cair nos braços do Êxtase.

E caso,  não desse vazão ao seu desejo, ela entraria pra nosologia psiquiátrica denominada Louca. Nelson Rodrigues retratou o adultério, a loucura, o comportamento estranho (perverso). O teatro de Nélson Rodrigues, apesar de ser taxada como pornográfico, causava plena curiosidade, afinal ele descreveu muito bem os desejos sexuais inconscientes de uma sociedade adepta ao conservadorismo numa ordem reacionária.

Dentro da perspectiva de uma época, o homem que podia tudo (fora de casa) se tornava um marionete de seus desejos, um sujeito que não aguentava tolerar os problemas, sustentar a sua falta, a sua abstinência sexual, sua ansiedade, que não tinha a responsabilidade do contrato matrimonial. Ele se via na posição privilegiada de não resolver coisa nenhuma dentro da conflitiva conjugal.

A queixa de que o homem não sabia conversar com a mulher, que era avesso a problemas sensíveis como os psicológicos, colocava-o na eterna posição de menino privilegiado, que ganhava tudo (hoje, a posição do macho alfa). Já a mulher, se agarrava ao poder fálico dentro de casa, seu filho, como que um objeto que iria suprir a sua angústia, sua ansiedade provocada pela ausência do marido. Assim, ela se agarrava a este filho e não deixava mulher alguma tirá-lo dela. Ambos casos de uma infantilização de uma época.

E se Nelson Rodrigues estivesse vivo, o que ele diria sobre esta trama de desejos infantís insatisfeitos, nos dias de hoje?

Da repressão sexual de décadas atrás até a Cultura atual, deu-se um giro para o polo oposto. Vivemos hoje a época da sexualidade exposta para que todos possam ter acesso e usufruir, gozar da maneira como bem entender. Não é só o acesso aos meios de descarga da tensão sexual, das fontes de excitação, da ligação da libido com algo prazeroso, a relação do sujeito com os objetos sociais estão sob a égide do prazer. Há uma compulsão escopofílica (prazer pelo olhar) que não é qualquer coisa. A sexualidade, o amor, as pessoas foram capturadas pela ética do Consumo.

Você pode não concordar, você pode resistir, mas você passa doze, dez, oito horas do seu dia teclando no seu celular. Isto é consumo, e seguirá fazendo o que todos fazem dentro desse erotismo do homo economicus, ou seja, você administra a sua energia sexual e responde ao outro como um objeto de consumo, num modo de operar egoísta (narcisista). Trabalhamos nas rede sociais para promover a nós mesmos, na busca de fãs, de seguidores ou de likes. Nosso modelo é a da celebridade, onde nossas postagens remetem a felicidade e uma vida cheia de gozo como um caso de sucesso. Essa é a nossa estética. As redes sociais, os aplicativos de conversa possibilitam escolher futuros candidatos ao enlace sexual como objetos vendidos em um supermercado ou num cardápio de um restaurante.

Nesse contexto de rede social, onde o entretenimento e a busca pelo prazer se torna um primado inconteste, onde a prioridade é antes de mais nada ter prazer, o ser-humano vive um tempo que não suporta adiamentos de suas satisfações libidinais, não suporta estabelecer limites concretos ao seu voraz desejo de gozar. Penso que Nelson Rodrigues hoje não mais abordaria a angústia da estase sexual, mas sim o apetite de não suportar a espera em gozar. Nesse mundo de velocidade internética, o Teatro já não seria a arte que abordaria o olhar rodriguiano, e sim os vídeos, o cinema. Estes dão material suficiente para escrever a tragédia dos relacionamentos amorosos e dos casamentos nos dias de hoje. Todos tem uma câmera na mão e tem a ansiedade em querer postar a sua privacidade!

A pulverização da fronteira entre o público e o privado das redes sociais coloca o ser-humano diante de uma tragédia: a de ser marionete de seus desejos. Talvez, antes, a dificuldade de acesso a uma mulher ou a um homem colocava freios a este impulso. Hoje, o acesso estimula! E o freio é algo que tem que ser aprendido. Não há maneira de aprender senão pela experiência, na maturidade, na relação que se constrói com os objetos a partir de reflexões, repetidamente, testadas. No jargão psicanalítico, o freio se dará por meio da construção simbólica da Lei (do matrimônio, do direito à vida, da ética, etc.), uma busca de referências preciosamente construídas para dar conta dos impulsos sexuais e dar rumo a Vida.

Através do Whatszap, Messenger, Instagram, Telegram, os segredos são confessados em textos, áudios, imagens e vídeos que podem (e logo deverá acontecer) ser viralizados. Traições, ofertas de namoro, invasão à privacidade são feitos na base da brincadeira, do descompromisso, da irresponsabilidade, de maneira impulsiva, sem qualquer elaboração psíquica. Porque é a lei do desejo que fala mais alto. O celular virou um diário dos segredos. É claro que relações de fidelidade é o valor maior ainda hoje, uma ordem dos casais, porém é preciso concordar que vivemos uma época que temos que ressignificar nossas palavras, emojis (ou outra gramática), porque mal-entendidos, segundas intenções, podem acontecer a toda hora.

Não é fácil lidar com a confiança em tempos de redes sociais. E a infantilidade se realiza quando não se resiste a premência do desejo: é triste a decepção da parceira quando descobre que seu marido enviou um nude à colega de trabalho; ou quando, numa conversa com o amigo, o namorado confessa que é tarado pela nora mais nova e vem investindo em seu propósito; ou quando a mulher está conversando com o gostosão que conheceu na academia, reclamando (enquanto se insinua) que o marido não tem mais olhado para ela, pois vive jogando videogame ou trabalhando demais; ou quando o cara não resiste a mais um contatinho e seu celular é como um harém das mil e uma noites; ou se deixar levar pelo gozo, e querer fazer igual a amiga ou ao amigo, porque esse jardim do outro é mais florido e cheio de prazeres, enquanto sua vida está monótona, sempre igual; como lidar com uma esposa tão esteticamente perfeita, em que ela já deixou claro que não vai recuar em mostrar seus dotes, para se sentir mais desejada ainda (competir), a fim de ter um monte de cachorros sedentos em volta. Que se o companheiro quiser ela, terá que aceitar, senão existirão outros na fila.

Nelson Rodrigues certamente teria muita habilidade para criar um conteúdo no Youtube, no Tik Tok, no Instagram, ou mesmo no Cinema para criar uma erótica recheada de desejos escondidos, nas sombras do ego, no inconsciente coletivo. A frase “Jovens, envelheçam” é o que tem de mais atual hoje em dia, nesse mundo jovem das selfies, da competitividade sexual, das redes sociais, alienados de si e do outro. Um mundo narcísico que se abdica de enxergar as necessidades do outro, porque nunca estão satisfeitos com o próprio gozo, e precisa ir atrás de novos entretenimentos. É preciso se botar freios, e assumir a responsabilidade por suas escolhas o quanto antes. “Jovens, envelheçam” é um dito nas entrelinhas da psicoterapia.

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