Psico-Socializando por Henrique Weber

Regime sexual consumista

Tese central do texto: O Regime Sexual Consumista é o modo de operação que favorece o controle político da população através do apaziguamento da reação da classe trabalhadora, formando um trabalhador dócil e submisso frente aos ataques da elite econômica, e promove um problema a longo prazo: a narcotização. Isto se dá dentro do circuito da compulsão às telas (celular, computador). Regime é o modo particular de gerir a própria vida. 

Sexual aponta para a qualidade que rege os investimentos psíquicos do ser-humano no meio social. Vive-se a busca compulsiva pelo prazer, de maneira prioritária. Consumista é a relação que a pessoa tem com o objeto, como se faz num cardápio, onde a escolha se dá para o consumo imediato. As bolhas sociais são equivalentes às marcas publicitárias dos quais dispomos frente ao nosso apetite consumista. O texto traz ideias gerais com o objetivo de abrir flancos para as muitas discussões da atualidade.

Estamos vivendo um período da sociedade que se caracteriza por uma crise inédita nas relações amorosas e sociais, operado por uma mudança significativa no modo de produção capitalista: a informatização e a capilaridade do mundo virtual. O acesso fácil e instantâneo a tudo promove uma absorção dos objetos aos nossos dinamismos do desejo. Isto criou um modus operandi de se relacionar que transformou as relações sociais, familiares, interpessoais e intrapsíquicas. É a partir daqui que quero pensar a sexualidade.

Antes da entrada da informática em nossas vidas, as fronteiras eram melhores delimitadas. Havia uma fábrica, cada pessoa era responsável por uma função. A hierarquia era mais rígida, os papéis mais fixos, mais sólidos e de fácil identificação e reconhecimento. O regime sexual vivido era o negativo. Havia uma longa espera para que uma relação se pudesse estabelecer com satisfação sexual permanente (dentro da economia sexual do indivíduo). As angústias giravam em torno dessa expectativa. Isso era possível encontrando “um bom casamento”. Porém, se a pessoa fracassasse no seu intento, se sofria dobrado, e a angústia sexual dominava o corpo, a neurose se firmava, o psiquismo ia se deformando e se produzia a doença mental. A moral social e familiar era de base autoritária. No conjunto da obra, isto favorecia o controle do trabalhador através da ideologia repressiva do Estado que se fazia com a ajuda da miséria econômica e sexual do trabalhador, e assim, se conformava e amortizava a reação das massas. O trabalhador, que vivia a carência sexual, promovia suas energias psíquicas, predominantemente, para o trabalho. Fruto da moralidade católica, da base de educação autoritária da família e da escola formal, a miséria econômica e sexual do trabalhador era a condição degradante no campo afetivo e econômico, que não permitia uma liberdade para usufruto da sexualidade. Estas condições sociais capturavam as energias psíquicas para o trabalho, tornando o trabalhador um sujeito passivo, conservador e reacionário frente aos problemas da sociedade.

O mundo foi mudando, e agora vamos pular algumas etapas cronológicas dessas mudanças para chegarmos na entrada da informática no campo do trabalho e pessoal. As relações sociais, cada vez mais mediadas pelo uso dos computadores, o domínio do virtual, transformaram o status do ser-humano de cidadãos, na busca por direitos sociais, para o de CONSUMIDORES. Se antes, a obediência à autoridade era a política-sexual, onde desde à infância era criada a base ideológica-sexual para a reprodução da exploração capitalista, hoje, o uso do celular, tablet, computadores são a PEDAGOGIA FAMILIAR, que cria uma base domesticada, pulsional, de controle social. Esta entrou na dinâmica do desejo e se consolidou, e por isto será cada vez mais incentivado pelos grandes mercados e pelos poderes, não só como ferramenta para ajudar nossas vidas, mas como uma via de relações afetivas, para todas as idades, que vai ganhar cada vez mais espaço na sociedade.

O comportamento consumista de hoje tem como função buscar algo para tampar a ansiedade e a espera, é a afirmação de um mundo destituído  de dor e de sofrimento. Claro que o sofrimento não será eliminado, mas a relação com ele tem ficado cada vez mais perecível. O Prazer é oferecido pela web desde a prematura infância até a velhice, numa oferta ilimitada. O ser-humano, que é regido pelo Princípio do Prazer, engata e se envolve facilmente nesta rede. A Era do Prazer de hoje é o oposto do que existia antigamente, porém a miséria econômica e sexual não foi eliminada, apenas foram trocado os problemas. Atualmente, vivemos num regime sexual consumista, afirmativa do sexo, de muito acesso à informação e das formas de sublimação sexual. Ou seja, a descarga sexual, esta válvula da tensão, está à disposição de uma maneira muito mais fácil e acessível. No campo do trabalho, há uma maior exigência laboral, provocado pelo acréscimo do trabalho em casa (notebook, Whatsapp), que somada às incertezas sobre o emprego e a renda elevam o nível de angústia e ansiedade da população, que busca apaziguamento em recursos hedônicos à disposição: entretenimento, medicalização e outras drogas, alimentação, sexo virtual e outros. Estas são satisfações substitutivas da sexualidade propriamente dita, que promovem sintomas neuróticos próprios dessa realidade, como a COMPULSÃO.

A compulsão já pode ser encontrada em crianças de tenra idade que usam smartphones, para que não fique tomando tempo de seus pais, que estão trabalhando, ou que estão consumindo compulsivamente seus smartphones. É uma legião de famílias que fazem uso do seu tempo e lazer individualmente. A compulsão por celular cria uma estrutura psíquica de NARCOTIZAÇÃO: o rebaixamento da disposição cognitiva, a perda de foco, o alívio das angústias, o efeito tampão da droga. Cria-se o curto-circuito da repetição. No nível psíquico, a criança se identifica com os artistas das telas (youtubers tem sido os atuais ídolos) que é valorizado pela sua performance exibicionista de poder ou erótico (mecanismos de retro-alimentação). Perda de contato com o outro e com as coisas, vivemos um retorno ao narcisismo da infância (voyeurismo, exibicionismo e auto-erotismo – eis o sexo virtual). Sendo o olho a principal entrada dos estímulos, a contração dos tecidos oculares gerará a ansiedade de contato, a distorção na qualidade da percepção e da interpretação destes estímulos. É o que nós, psicólogos reichianos, chamamos de couraça ocular. Ela amortece a emoção (em razão dos bloqueios energéticos), criando o curto-circuito e represamento energético na cabeça e prejudicando a atividade psíquica e cinestésica de todo o organismo. E, por seguir uma linha- serial da infância até a velhice, podemos pensar que a compulsão é o sintoma de uma Nova Era, e a narcotização um problema de saúde pública dos próximos tempos.

Dentro da dinâmica da formação da neurose, nas malhas da economia sexual, eu já falei da satisfação sexual substitutiva e do sintoma. O terceiro fator é a formação reativa (é como um efeito colateral que se reproduz). Sabemos que a angústia (produzida pela não satisfação sexual direta) encontra os circuitos compulsivos das telas, que lhe dão diversos modelos de gozo. Os modelos pornográficos fazem com que a pessoa busque uma performance sexual que dificilmente se encaixará com a satisfação sexual idealizada, gerando mais tensão e muita confusão emocional e mental. Ou seja, por mais que o mercado venda múltiplas possibilidades de gozo ( e de performance), através das telas, nenhuma delas permitem a plena descarga sexual (completa). Pelo contrário, ela captura a via natural e espontânea. Outras reações: medo de ser substituído por outra pessoa, como coisa descartável dentro das relações instantâneas, que somado a competitividade, reage com novas defesas a estes fantasmas. Outras respostas derivam das anteriores, que fracassam, como o controle excessivo sobre o outro (desconfianças, ciúmes).Outros métodos usados em extensão, como o voyeurismo, exibicionismo, sadomasoquismo, pornografia, esquadrinhamento corporal – interesse por um fragmento do corpo, reproduzindo as condições caóticas, performáticas e alimentando a indústria do sexo. É o mercado vendendo e narcotizando o indivíduo trabalhador. Mais tensão conduz a pessoa a procurar mais satisfação, gerando um mecanismos de reforço eficiente.

Diante de tudo isto, é preciso um trabalho amplo, desde do pedagógico, contra as compulsões da infância,  ao trabalho clínico e profilático, a fim de que não caiam nas armadilhas da compulsão sexual. As escolas estão adiantadas frente a isto. Elas têm a percepção do problema e promovem mais atividades de contato com o mundo físico e relacional, determinando limites para o uso de celulares e computadores. Promovem o contato com materiais orgânicos, reciclados, com o pátio, com a criatividade. Já o ambiente familiar não se deu conta (ou está aprisionado a isto) e permite que os filhos fiquem muitas horas e madrugadas conectados às telas. É preciso uma política de saúde que combata o Regime Sexual Consumista, regulando o uso das telas. Faço apelo aos educadores que promovam uma campanha cujo o alvo são as famílias. Instituições de saúde, empresas deem a sua contribuição à campanha. A Psicoterapia Corporal tem enorme potencial para trabalhar nesse Regime. É necessário trabalhar dentro de planos terapêuticos para a profilaxia e o resgate da capacidade de amar.

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