Psico-Socializando por Henrique Weber
A ideologia do alcance de metas
A esperança tem uma força extraordinária. Segundo o dito popular, “é a última que morre!”. Quando criança, adquirimos alguma autonomia, dando-nos conta da nossa própria existência, começamos a almejar um outro lugar ou uma outra condição. Crianças sonham em ser grandes. As de 4 anos querem fazer o que as de 6 fazem. Estas querem ter o grupo que as de 8 têm. Já estas querem ter uma identidade mais interessante que as de 12 e 14 possuem. E estas querem namorar como as de 16 e 18 fazem. E por aí em diante...
Existem lugares que definem a nossa identidade ou posição diante da sociedade. E ao ocupar este lugar, nós nos modelamos aos grupos que habitam este espaço, e assimilamos às expectativas dos outros, adotando comportamentos compatíveis com o bom desempenho ou com a aceitação social. As instituições, representadas pelas pessoas que ocupam lugares-chaves que regulam o acesso, criam interdições das quais podemos avançar quando atingimos uma determinada idade ou posição. O professor e filósofo Clóvis de Barros, numa de suas palestras, sintetizou bem a reprodução de um comportamento humano em que busca sempre um lugar “para além”, dentro do campo escolar e do trabalho. Permito-me reescrever suas ideias para pensar um fenômeno que posso chamar de Ideologia do Alcançe de Metas, um nome fantasia, para denominar uma ideologia no campo do trabalho que é reproduzido desde a formação escolar.
É-nos inculcado na mente a ideia de que precisamos alcançar alguns objetivos para sermos alguém ou para termos benesses valorizados pela sociedade. E com isto perseguimos objetivos feito autômatos. A cada degrau percebemos que não alcançamos nada ainda, e corremos para chegar num degrau posterior. Será que isto não é uma forma de prisão, um controle sobre os nossos corpos, uma maneira de conseguir da gente a energia necessária para a produção capitalista? Esta “escravidão” passa pelos bancos escolares, pelo trabalho e se manifesta até mesmo no nosso tempo livre. Veja! Na escola, colocamos a nossa capacidade humana para correr atrás da nota. No trabalho, corremos atrás das metas. No tempo livre, buscamos engajamentos, likes e seguidores.
Ok. Então, creio que a única liberdade que temos é quando nascemos, e assim decidimos se queremos mamar ou dormir. Mas nem isto. Para alguns infelizes, há muito desamparo nesta fase, e o sofrimento promovido é de sentimentos avassaladores em que nada se assemelha a liberdade. Será que podemos dizer que só somos livres enquanto feto no ventre da barriga da mamãe? Acho que sim! Dizem que este é o Nirvana, o verdadeiro paraíso... Vamos ao argumento da Ideologia do Alcance de Metas.
Quando a criança começa a andar, acredito que uma força chamada Vontade a impulsiona para ir de encontro aos objetos a fim de explorá-los, conhecê-los. Vai se construindo no corpo da criança um sentimento de autonomia (um devir), empoderando-a a alcançar tudo o que ela deseja. Chega um momento em que os pais dizem: “Meu bebê precisa conviver com mais crianças e aprender a lidar sem a proteção dos pais. Vai para a creche e vire uma criancinha grande”. Por lá, ela fica uns 3 anos. Após o fim do prézinho, explicam para o filho, “agora você vai entender os códigos da sociedade, tem que ir ao primário para aprender a ler”, e lá se vão 4 anos.
Chega no fim do primário, os professores comentam, “você chegou até aqui como uma preparação para o ginásio, onde será um grande teste para ver se pode enfrentar a vida mesmo. Serão vários professores e não terão a atenção nos moldes maternos, vai acabar a moleza”. Foi-se mais 5 anos. Mas, ter chego até aqui foi uma preparação para o ensino médio (alegam após a primeira formatura), que agora você vai aprender a ser adulto, vai enfrentar as disciplinas de física, química e matemática complexa, e ainda as humanas, como a filosofia, a sociologia e a redação. Além do mais, poderá ir para a escola sem precisar usar o uniforme. Mais 3 anos.
Pois bem, você chegou ao final da escola, parabéns até aqui! Mas isto não garante nada, precisa escolher uma faculdade e fazer o vestibular. Tudo o que fizesses até agora foi uma preparação para o vestibular. Sem isso, você não terá acesso a uma formação que lhe dará um futuro e a oportunidade em ocupar um cargo importante, socialmente reconhecido. E lá se vão mais alguns aninhos de estudos para passar no vestibular. E então passa. Você pensa “agora é pra valer, ninguém me segura, é a oportunidade que eu queria para entrar no mercado de trabalho e mostrar todo o meu potencial”. São 5 anos para se formar. Porém, alguém pondera ao universitário: “Olha, quem está numa faculdade e não arranja um estágio numa empresa, estará morto! Não vai se colocar no mercado de trabalho”. Na Universidade existe um rol de empresas/marcas conhecidas para abrir as portas para a realização dos seus sonhos.
Assim você faz. No primeiro dia de estágio na empresa dos sonhos, orientam, “aproveite a oportunidade, faça tudo o que os seus superiores pedem, ou seja, todo mundo da empresa, senão não será efetivado, e isto aqui não vai valer pra nada”. Então, o objeto do desejo a ser perseguido se torna a Carteira de Trabalho. Aí, você será explorado de tudo quanto é forma, se torna obediente, adquire o espírito colaborativo, e conquista a sua Carteira. No primeiro dia de trabalho, seu chefe apresenta a empresa e seu maravilhoso Plano de Cargos e Carreira, e mostra como funciona: “Aqui te encontras... no nível 1, e sem passar para os outros níveis, você não é ninguém! Alcance as metas que vai começar a sua subida na empresa”. Daí, você começa a correr atrás de metas... metas... e mais metas. Vai entregando-as todo o mês, comparando a sua performance a cada trimestre, passando um sufoco no sistema de avaliação que envolve o seu chefe e colegas, “matando um leão por dia”. Sobe pro nível 2, duplica o trabalho, faz isto automaticamente, num ritmo que “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”. Lá se vão uns 30 a 40 anos para chegar no nível 6 (suponho), onde seu chefe é o CEO da empresa. Uma pessoa com vaidade exagerada, carregado de ensinamentos para fazer o trabalhador se motivar mais, e entregar mais, aprendendo a se vender como um colaborador diferenciado. Teorias, manias e biografias são as fontes de inspiração para um programa de treinamento persuasivo.
Ele chega para você e reconhece a sua contribuição, por uma vida dedicada a empresa, e lhe propõe uma homenagem, com direito a placa e tudo, que poderá ser colocado na sua parede. Assim o faz. E passa alguns meses, ele chega com a notícia que a empresa precisa substituir você por alguém mais jovem e mais iludido. Portanto, está na hora de pensar na aposentadoria, onde a vida poderá ser desfrutada, pode-se andar e sair por aí a viajar, ou construir uma bela casa para ficar. Contudo, este tempo não se revela assim, você carregou alguns problemas de saúde, deixou de viver em meio a sua comunidade, descobre que se distanciou em demasia da sua família. Não está acostumado a viver o tempo das árvores, dos ventos, das águas de um rio, descobre que não sabe viver sem um relógio e um ritmo de produção que nasceu dos tempos da hegemonia das máquinas. Tu te tornasses uma pessoa amargurada, enganada, sem esperança e conservadora. Então, um dia você cai enfermo numa cama, e em pleno leito de morte, chamam alguém com uma batina que virá ao seu consolo e lhe dirá “não se preocupe filho! Que o melhor ainda está por vir...”.
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