Psico-Socializando por Henrique Weber

“Só mais uma!” (sobre o alcoolismo)

Seguindo uma canção de Chico Buarque, em que a protagonista da mesma é uma esposa que sofre em silêncio as incessantes visitas do marido ao bar. Diz assim: “ Com açúcar e com afeto, fiz seu doce predileto, para você parar em casa”. Este trecho revela bastante coisa, aponta para uma estratégia em usar um elemento simbólico – “açúcar”, “afeto” – para segurar o homem em casa, como se fosse uma mãe que tivesse que agradar o filho. Esse mesmo elemento materno vale para a bebida. O alcoolismo é um comportamento adicto que pode ter como função uma situação de adaptação psíquica ao meio. Pode ter o efeito da desinibição frente aos desafios da socialização num encontro ou numa festa; para se sentir bem e realçar afetos positivos ou evitar o realce de reações negativas, diante da tensão que um encontro provoca; ou, beber para fugir dos problemas. Acaba que o comportamento adicto se torna uma compulsão.

Podemos pensar que a compulsão é algo “natural”, que faz parte da ontologia da criança. Diante da angústia persecutória cuja causa pode ser um desemparo situacional, o bebê encontra no seio materno uma relação compulsiva para se sentir seguro. Ou, no jogo de arremessar um objeto para o adulto juntar e devolver, a criança busca esta repetição para que tenha a sua atenção. Freud vai chamar de “compulsão a repetição”, um comportamento qualquer que está fixado a personalidade e que diz respeito a relação do indivíduo com o seu corpo a fim de aliviar a tensão perante as angústias e as questões existenciais da vida. Conhecemos muitos deles, nos comportamentos adictos, nos rituais de proteção ( conhecido por TOC – transtorno obsessivo- compulsivo), ou nos modos de exercer o gozo na sexualidade.

Assisti um filme dinamarquês, interessantíssimo, chamado Druk (2020), de Thomas Vinterberg. Ele aponta o problema de quatro amigos, professores universitários, com o álcool. Parece que na Dinamarca há uma glamourização do álcool, visto na maneira como se fala dos produtos, que são bem elaborados, sofisticados e carregados de história, dando a entender que lá “todo mundo bebe”. No Brasil, não me parece que estamos distantes disto. A tal “paixão nacional”, a cerveja, é vista como uma companhia para o jogo de futebol, seja no estádio, seja na reunião entre amigos para ver um jogo, ou até mesmo num encontro ao acaso, onde o assunto envolva o futebol. A cerveja foi condicionada a fazer parte desta reunião. Há um encantamento pela bebida! Como que esta fosse a chave para a entrada em um mundo novo (fantasioso), ou para a retirada de um obstáculo psíquico.

Como enfrentar a vida, as leis, o peso da existência, sem desafrouxar o nó que se encontra no cangote? Parece fácil responder esta pergunta: é só beber moderadamente, socialmente. Este engano é a mensagem que o filme passa. Um dos personagens, entre os professores, é psicólogo. Ele leu um texto acadêmico de um colega conceituado cuja tese dizia que o ser humano nasce com um déficit de álcool de 0,05% e que, se isto for reposto diariamente, a pessoa conseguiria estar bem no dia a dia, com melhores desempenhos sociais e ocupacionais. Ou seja, sempre há uma boa desculpa para beber, este é o comportamento do alcoólatra, ele consegue formular um pensamento lógico cujo resultado é aquilo que ele quer: beber. Assim, os quatro amigos fizeram um pacto em que todos passariam por esta experiência de consumo diário de 0,05%. Acontece que eles não conseguem manter o 0,05%, porque o álcool cria a tolerância, e será preciso aumentar a dose para que surja o mesmo efeito. O álcool vai exercendo a sua função para cada um dos personagens que vivem a crise no casamento, o sentimento de baixo auto-estima, a fuga dos problemas. Pouco a pouco, a pessoa não pára mais em casa, vai entrando no alcoolismo e começa a colecionar problemas orgânicos, psíquicos e sociais. Esta sensação de desafrouxar o nó, de relaxar e sentir uma melhor performance social se contrasta com o dia seguinte: o mesmo problema “empurrado com a barriga”, a dificuldade de enfrentamento e a procrastinação. O pai da Psicanálise, Sigmund Freud, revela que a fuga em enfrentar a vida é o meio mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitarA pessoa que se abriga totalmente na fantasia, caí no entorpecimento ( que pode ser das drogas, do álcool). Quem se refugia no imaginário, se infantiliza. Quem recalca tudo o que é indigesto, coloca o sujeito em pulsão de morte. A fuga é muito mais dramática que o enfrentamento da realidade. Parece que a vida nos dá lições mesmo, através das situações frustrantes, muitas vezes estressantes, da qual a gente carrega mais forças para vencer um obstáculo. Então, como aquela sensação de liberdade, que é a falta de responsabilidade com a vida, pode ser tão sedutora.

Claro que é sedutora! Nada é tão adolescente que andar nas ruas em busca de diversão, não se responsabilizar por nada, deixar de carregar o fardo da existência. Fomos acostumados a ter uma mãe afetuosa que terá preparado uma comidinha gostosa para quando fores retornar. Ah! Esta fase tão invejada… engraçado que o adulto que está na adolescência busca esticar o que pode, vindo a atrasar a sua vida. Já aquele que teve que pular esta fase, um dia, poderá vir a recuperar a adolescência perdida, se comportando de maneira estranha ao olhar do outro.

Concluindo, nada é tão ambivalente quando o assunto envolve as drogas que alteram a consciência. Temos exemplos de monte, sabemos das consequências. O Estado tem que fazer a sua parte, oferecendo campanhas preventivas alertando para o risco com o álcool e outras drogas. No nível individual, precisamos nos responsabilizar pelas nossas escolhas, buscando entender os problemas sociais e psíquicos que cada um está metido, pois a consciência e a crítica são motores para que as nossas ações possam ir de encontro às soluções para os problemas.