Psico-Socializando por Henrique Weber

A arte de escrever sabendo que ninguém vai ler

Toda vez que ouço de um jovem que não precisa estudar (ou escrever), pois o mundo digital clama por outras ferramentas e habilidades distintas a estas, como a comunicação digital através do marketing pessoal, da produção de vídeos para viralizar, ou de conteúdos divertidos pra lacrar, eu saio de mim, da relação com o meu interlocutor, e entro num campo perceptivo e intuitivo, fico em devaneio. Tento entender que sabedoria aquele jovem ali pode estar me transmitindo, quero saber qual é o ponto em que ele está certo, quero extrair alguma verdade.

Pois esse choque de gerações coloca de um lado, um cara que viveu antes dessa revolução cultural-midiática, e que está velho demais para aprender estas novas tecnologias. De outro, um jovem que vivencia o mundo digital, o seu cérebro se molda suficientemente para aprender, para responder, e se utilizar dessas tecnologias como extensão do seu corpo, a fim de ser mais efetivo (de se adaptar) nas respostas que a sociedade pede.  Sei que não devo retroceder com os meus argumentos diante de alguém tão novo (e eu julgo que ele pode estar tão encrencado nesse labirinto em que esta geração se meteu), mas a sua opinião tem muito valor, afinal, ele é um privilegiado testemunha da história, ele está mais implicado no problema do que eu. Assim, o meu dever é observar e extrair alguma síntese disto.

Eu poderia largar a escrita. Não faltam exemplos nas tão bem-sucedidas redes sociais. Hoje se publica bobagens, frases feitas, figurinhas, selfies, um desabafo e se consegue um monte de likes. Isto é sinal de que há um receptor que vê este tipo de postagem e lê a respectiva mensagem. Eu poderia fazer isto também, seria mais prático. Ao invés de gastar o meu fosfato com as reflexões que faço aqui, eu poderia pesquisar no Google uma coisa legal de psicologia, ou tomar de alguma rede social um material (que não tem dono mesmo) e publicar. Ou, algo mais fácil, eu deixo chegar o material nas minhas timelines e compartilho o que for apropriado para me vender como profissional. Temos o algoritmo que proporciona a seleção do material e que me poupa do trabalho.

Certamente, renderia mais likes que meus textos. Poderia-se pensar: “ mas se o texto é bom vai ter muitos likes, se é ruim poucos likes”. Eu questiono: “Você leu os meus textos?” O problema não é se o texto é bom, mas se a pessoa está disposta a ler. Não é o conteúdo, mas a forma. Se for um “meme”, algo engraçado (de duas a quatro linhas) se lê facilmente, toma-se gosto pelo conteúdo e se dá o like. Nada mais coerente que isto, pois você só vai avalizar algo que você abriu e leu. A mensagem instantânea se lê com as vistas, o textão se lê com o raciocínio. “Não temos tempo para isto, pelo menos não quero agora! Talvez, mais tarde”. Claro, que um bom escritor faz toda a diferença, mas textão não combina com rede social. Agora, eu entendo o olhar do garoto me questionando: “ para que eu preciso escrever, argumentar, expor minhas ideias num textão, se ninguém vai ler. Para quê??!”

Vou tentar lhe responder... Tomei emprestado as ideias de Friedrich Nietzsche, do livro “Humano Demasiadamente Humano” e Fernando Pessoa, do “Livro do Desassossego”. Vamos aos meus argumentos.

Para Nietzsche, escrever um texto é uma obra de arte e requer uma “sucessão de explosões cerebrais com doses de intuições repentinas (inspirações)”. A produção contínua é um exercício que vai trabalhando a sua capacidade de julgamento crítico. Mesmo que o material é ruim e seu destino é a lata do lixo, esse fragmento, que não serviu, fica numa biblioteca mental, certamente, de ideias mutiladas, mas que se combinará com o novo esboço. O escrever é trabalho imitativo que produz memórias que serve de matéria prima para o artista-escritor, este que é um grande improvisador. “Todos os grandes [artistas] foram grandes trabalhadores, incansáveis não apenas no inventar, mas também no rejeitar, eleger, remodelar e ordenar” (Nietzsche).

Há uma energia produtiva que fica represada, mas que se liga a um potencial criativo equivalente a um renascimento (parto) da ideia, que se veste de força e vontade. Pode nascer uma obra linda (pelo menos para o autor), ou se dissolver numa outra obra (um vir a ser). Todo o processo implica numa capital criativo-produtivo depositado nos corações e mentes do artista. A arte imita a vida. O cérebro é um grande útero e as ideias lutam para invadir o papel. Algumas morrem pelo caminho, outras morrem ao invadir a folha de papel. E outras fertilizam e nascem para ir ao mundo.

Ao escrever um textão, existe uma conexão com o Universo, com a esfera solar (quando de dia), ou com as estrelas (quando de noite). E desta ligação se extraí uma música, porque escrever é um convite para dançar. O escritor é como um gaudério que toca sua gaita aguardando que os leitores deem os seus passos. Mas, e quando ninguém quer ler? Nietzsche coloca que o artista para compensar essa privação ele tem mais prazer em criar do que todos os trabalhadores em suas atividades laborais. Esse represamento dá o tom do seu lamento, que se torna mais forte e criativo. Se não é no presente, ele vai contar com o seu texto para a posteridade com a tão refinada crítica frente ao povo que não desfruta da sua música. Crítica não como ressentimento, e sim como refinamento e potencial para pensar a condição de seu povo.

Já Fernando Pessoa diz que “escrever é objetivar sonhos, é criar um mundo exterior” e publicar “é dar esse mundo exterior aos outros”. Eu entendo que este mundo só pode ser o das ideias, porque não há outra forma de se conhecer, no campo da personalidade, se não for naquilo que produzo como ideal. Porque o passado se esvaí. Para Pessoa, a vida, as recordações, a imaginação, tudo se evapora já que há dez ou vinte anos atrás se era outro. E sendo outro, a sensação era de outro, assim como os pensamentos era de outro. A gente se reconhece, mas como se fosse em outra vida, e reler os próprios textos, depois de muitos anos, é como despertar de um sonho alheio. E mais... a poesia possibilita produzir o desconhecido, a qual só na maturidade irei reconhecer que no passado eu pouco sabia de mim, mas já era conhecedor de uma verdade que só agora tenho consciência.

Aprendo que escrever é criar a própria cosmogonia, é construir um itinerário que se aproxima da imortalidade, um prologar de memórias permanentes. “A arte procede da natural ignorância do homem sobre o seu interior (corpo e caráter) “ (Nietzsche). Assim, meus raros leitores, escrever é poder escalar o sublime e reviver a força e a alegria da vida no caminho da solidão.

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