Psico-Socializando por Henrique Weber
Os muros das relações afetivas
Da Mitologia grega, trago o mito de Píramo e Tisbe, a história de um casal apaixonado que vivia um amor de encher o coração de falta, e que estavam separados por um muro. Eram vizinhos, suas casas conjugadas, todos os dias eles se comunicavam, cada um do seu lado, através de sussurros, batidas na parede e outras formas de sinais, alimentando os seus desejos.
“Quanto mais queima escondido, mais ardente é o fogo da paixão” (Ovídio). Este tipo de enlace juvenil já foi representado tantas vezes nos romances de livros ou no cinema. No século passado, a proibição dada pelas famílias aos casais enamorados era um problema muito comum. Muitas estratégias eram maquinadas pelos casais para romper com este bloqueio, a fim de saciar-se com a entrega carnal, como único ato que importasse à existência dos amantes. Quantas prosas e poesias nasceram deste conflito, dessa batalha que encara a tudo e a todos para se fazer justiça ao direito de amar e ser feliz. Romeu e Julieta foi uma delas.
Há tempos atrás, o amor conjugal era atravessado por interesses econômicos, por status social ou pela garantia de um futuro. O homem era quem sustentava a família. Existia uma interdição cultural que fazia com que a mulher ficasse em casa para cuidar dos filhos. Ter um casamento ruim, do ponto de vista do trabalho e da renda, era condenar o futuro destes casais. Assim, se utilizava da vigilância dos pais, com suas regras que eram compartilhadas pela sociedade (que sempre se impôs sobre o indivíduo), ou da vigilância religiosa com a ideia do pecado e do casamento indissolúvel. Todos cuidavam de todos. Era uma época de muita restrição à sexualidade. A espera era algo aprendido por cada púbere, era o conselho dos mais velhos... era preciso saber lidar com a espera.
De tanto cutucar a parede, para a transmissão dos seus anseios, Píramo e Tisbe fizeram uma fenda que conseguisse, finalmente, se aproximar mais, tocar-se com os olhos. Eles não suportavam mais a carga libidinal em seus peitos, nada mais fazia o sentido, senão a fusão dessas duas almas. E um plano foi arquitetado para fugir de suas casas e se encontrarem. Isto se daria à noite. Combinaram a hora e o local e assim fizeram.
Tisbe chegou primeiro, porém, logo foi importunada por um visitante indesejável, um leão que estava com a boca cheia de sangue de uma recente refeição. Ela corre para uma gruta a fim de se proteger, mas deixa cair o seu véu branco ao chão. O leão cheira o véu e o estraçalha, manchando-o de vermelho. Píramo chega em seguida e aguarda Tisbe. Até que explorando o local, ele avistou o véu ensanguentado dela, e imaginou uma tremenda tragédia: que ela havia sido atacada por algum animal grande. Píramo empalidece e toda esta energia do desejo vai se transformando numa culpa enorme, atroz, pois foi ele quem sugeriu este encontro e convenceu a sua amada a superar o medo. Tomado por uma dor insuportável, Píramo enfiou uma adaga em seu peito, vindo a sucumbir ao chão, lentamente. Meus leitores... eis que Tisbe saí de seu esconderijo, e ao encontrar o seu amado deitado, pega-o em seu colo e vê o seu último olhar se abrir, a dor e o arrependimento exposto, e a se fechar para sempre. Tisbe entra num desespero velado, que vai se transformando numa culpa e uma dor equivalente. Agora, ela terá que enfrentar sozinha o estigma de ter sido a causadora de tamanha infelicidade.
Assim é a dinâmica da libido, o quanto que um excesso de energia sexual represada pode se transformar em alguma afecção amorosa: doenças psíquicas, rigidez da personalidade, amargura, depressão, ansiedade, compulsão. A libido quando não encontra um caminho que possa se realizar, vai buscar algum contato alternativo para se manifestar. Ou seja, o caminho direto é a relação sexual ou afetiva, mas como foi impedido por esta via, desviou a libido, se transformando em culpa para poder descarregar. Píramo não suportou a “perda” da amada, e feriu a si mesmo para estancar essa dor insuportável, essa carga em seu peito.
“A intensidade de uma ideia psíquica depende da excitação somática momentânea à qual é associada. A emoção tem origem nos instintos, portanto no campo somático” (Wilhelm Reich, no livro “A Função do Orgasmo”). Em outras palavras, a libido é a energia que está na nossa base e que anima a vida. Por muito tempo, a cultura reproduziu uma moral restrita a sexualidade, e diante disto, se formava doenças mentais próprias daquele tempo. Uma delas foi a histeria e os sintomas de conversão, onde a excitação sexual insatisfeita (de jovens, adultos e idosos daquela época) se tornava uma perturbação física (sintoma) provocada por uma inibição psíquica (moral). Esta inibição deformava o caráter (personalidade) gerando sintomas que, se não tratados, cronificavam em doenças mentais.
Atualmente, as relações amorosas se modificaram radicalmente. Não existe mais as interdições de antes, a pessoa tem direito personalíssimo da escolha amorosa. Pode-se trocar de parceiros afetivos quantas vezes quiser, escolher a hora e o local dos mais variados tipos para namorar. Não existem muros físicos. Porém, este enlace não está desprovido de suas dificuldades, os muros psíquicos existem.
Se namora via rede social. A disponibilidade constante associado com a hipersolicitação, que é promovido por estas redes, instrumentalizado pelo celular, vai estimulando a pessoa a buscar um excesso de investimento libidinal (que vem de toda parte). Vivemos em tempos de entretenimento, consumo e individualismo. É algo que vem dominando o campo estético e ético da humanidade, e que vem se tornando um direito incontestável. E é justamente isto que se torna a armadilha dos enlaces amorosos. As pessoas vão operando descargas libidinais através de múltiplas ligações, esvaziando o lugar da falta. A espera se tornou uma pena intolerável. Tudo isto vai gerando um estresse afetivo, fazendo perder o sentido e a força da ligação afetiva. O resultado é o afastamento da pessoa em relação ao parceiro amoroso através de um distanciamento cotidiano. Aquela relação sólida vai criando uma rachadura cada vez maior, e um muro vai se construindo.
Outra situação é quando lidamos com o nosso superego. Esta é uma instância psíquica responsável pela censura e controle dos nossos impulsos sexuais, agressivos e narcísicos. Ele opera colocando limites, é o representante dos valores culturais e são transmitidos pelos nossos pais. Quando chegamos na fase adulta, já cientes da responsabilidade dos nossos atos, com a tarefa de seguir o nosso próprio caminho, assumir a família e dar orientação aos filhos, estamos diante do destino, que nos dá uma liberdade enorme. Ocorre que muitas pessoas não conseguem refletir sobre estes limites que nos foram internalizados.
Limites que muitas vezes ficaram incrustrados na personalidade sob o sintoma do medo, por meio de uma educação repressiva, doentia, violenta ou compulsiva. Se censuram, passando a vida levantando muros para impedir o contato afetivo com a outra pessoa a fim de evitar um mal maior. É o medo que empilha tijolos e fica-se a mercê dessa instância (superego) que não se permite viver plenamente. É preciso amadurecer, questionar esta posição infantil, estas leis paternas, para que realmente possamos disfrutar da liberdade e da vida adulta. Aqui, na maioria dos casos, só com a ajuda do psicólogo clinico.
Importante estarmos por dentro destas questões, conhecer este muro que construímos e que depositamos os nossos lamentos. Saber do que temos medo, como se dá nossos desejos, como este é capturado pelo consumo, e conhecer as leis da família, que nos rege, e que muitas vezes nos impede de assumir a própria vida.
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