Psico-Socializando por Henrique Weber

História Social da Criança e da Família

Um livro indispensável para entender a nossa sociedade, especialmente no que tange a infância, é a “História Social da Criança e da Família”, de Philippe Ariès (196 páginas). O autor remonta a época do fim da Idade Média para contar como era a vida social das crianças, onde se dava pouco valor a esta fase. Se nascia muitas crianças porque não havia método anticoncepcional, mas também a mortalidade era bastante alta. Havia um tipo comum de infanticídio provocado pelos pais que era condenado pelas leis, mas era tolerado, não se investigava.

E não se chorava pela morte do infante. Eram tempos de sobrevivência, e pesava alimentar muitas bocas. Pois bem, assim que a criança deixava de ficar grudada na mãe, de depender desta (naquela época se amamentava até os 7 anos de idade), a criança ia para o mundo, se misturava com os adultos. A educação era através do trabalho, a criança já pegava no pesado. Mas, ainda assim era caro sustentar. Então, criou-se um sistema rotativo de trocas de filhos. Explico. Se a criança continuasse no seio familiar, ela iria ficar dengosa, criar resistência ao trabalho, como se estivesse numa zona de conforto (e não havia espaço para isto).

Assim, ela era enviada para trabalhar em outra família, e ali se tornaria uma empregada ou um artesão, abandonada à própria sorte. E essa família receberia o filho de alguém, se transformando num sistema de favores que equilibrava a questão econômica. “O sentimento entre cônjuges, entre pais e filhos, não era necessário à existência nem ao equilíbrio da família” (Ariès). A família eram aqueles que habitavam a mesma casa. Ou seja, muitos filhos nem voltavam mais para casa, e estava tudo bem. A criança de 7 anos já podia ser vista nas ruas, nas tabernas, jogando jogos de azares, apostando dinheiro, bebendo e fumando, como qualquer outro adulto, não se fazia distinção. Só entre os nobres se reconhecia a importância da criança estar no seio familiar, pois era preciso criar um sucessor dentro de relações institucionais de poder. Assim, o sobrenome familiar do nobre era algo importante. A criança nem era representada pelas artes plásticas, antes do século XVII, a não ser como coadjuvante.

E quando que a criança passou a ser importante? Penso que numa determinada época, a Igreja Católica se sentiu ameaçada e começou uma cruzada para batizar toda a população. Antes, o batismo era numa banheira. Desta maneira, não dava mais tempo para batizar todo mundo, diante da missão colocada. Então, se reduziu para a pia batismal, adotando a aspersão de água benta na cabeça do bebê como método mais eficiente. Agora, o grande movimento que colocou a infância no centro das atividades sociais se deu com os reformadores católicos e protestantes (chamados de “os moralistas”). Mas, antes disso, surgiu a escola.

A ideia de escola, como conhecemos hoje, remonta aos monastérios, e era privilégio de jovens homens que iam estudar para serem clérigos nos internatos. O objetivo era purgar a alma através da oração, da reclusão e do trabalho. Porém, surgiu uma necessidade na sociedade, especificamente nas famílias, que era de aprender o ofício: a criança que se destacava na produção familiar, precisava ser investida para aprimorar mais os seus negócios. Então, surgiu alguém de fora para explicar o ofício. Este era o professor. A escola começou com alguém delimitando ou alugando um espaço de alguns metros quadrados, seja um estábulo, por exemplo, de chão batido e palhas para sentar, e ali se conversava e ensinava. Alguns vendiam aulas, outros permitiam entrada livre. Porque a rua era o lugar preferido de quem vivia na Idade Média, e a circulação era a ordem normal das coisas.  Naquele tempo não existia a ideia de privacidade. A escola foi entrando mais na vida social, e os moralistas passaram a ocupar um espaço maior quando começaram a ditar o comportamento humano. Eles produziram cartilhas de como se comportar, com o propósito da sociedade não contaminar a criança com  pecados, com vícios de adultos e jovens. Aqui, começou a compreensão de que a criança nascia pura à semelhança de Deus. Foi um giro radical, ela passou a ser cada vez mais protegida, entrando assim, numa espécie de quarentena, ao invés de ser mandada para outra família. Com a criança perto dos pais, sendo investida nessa escola de fundo de quintal, ela passa a ter maior acompanhamento destes. Por consequência, vai-se construindo o tal “sentimento familiar” ou “sentimento filial”. A partir daqui, a criança passa a ser representada nas artes plásticas, agora ocupando o centro do quadro. A criança sai do anonimato. Isto é verificado na questão das lápides. Por um tempo, não se importava em colocar o nome da criança no túmulo, mesmo quando se enterrava junto com os pais. Se colocava só o nome do casal. Agora, a criança passa a ter seu nome grafado na lápide.

A privacidade começou a ser algo importante. Na Idade Média, as casas não tinham compartimentos que dividiam o espaço em sala, cozinha, quarto do casal, dos filhos. A cama de palha poderia ficar na cozinha e as visitas se chegavam (aos montes) e sentavam na cama de dormir. Os aposentos nem tinham características marcantes, e a circulação se dava livremente, sem uma delimitação que indicasse onde começa um, e onde termina outro. Porém, a ideia de família (sentimento familiar) deu contornos aos aposentos, tornando-os privativos, causando impacto na salubridade e na natalidade. Com efeito, foi diminuindo o número de filhos, pois o cuidado com eles se intensificavam.

Toda esta mudança, a partir do século XVII, foi dando lugar as ciências que se preocupavam com a formação infantil como a Pedagogia, a Ciência Social, a Psicologia.  Naquele tempo, as fases de desenvolvimento eram divididas de 7 em 7 anos, porque se entendia que eles obedeciam aos fenômenos da natureza, influenciados pelos nossos 7 planetas descobertos do sistema solar. O adolescente já era um adulto de 14 anos, já estava pronto para procriar. As mães criavam os filhos (que vinham em escadinha) e colocavam ordem, onde os mais velhos cuidavam dos mais novos. Ao sexo feminino, não se dava o direito de ser educada na escola. Porém, com as mudanças nas crenças, como a atenção dada à criança, os sentimentos familiares, a vida privada, a menina começou a se igualar em direitos, e a ser distinguida como sujeito de necessidades. Então, tanto a menina quanto a criança em geral passaram a frequentar a escola e foi deixando de se misturar com os adultos. Aqui, estamos nos séculos XVIII e XIX, onde uma nova dimensão revolucionou a sociedade. Se criou as instituições para controlar o comportamento humano como as prisões, os hospitais psiquiátricos, a escola, o quartel, etc. O mundo moderno redefiniu suas leis e obrigações (contrato social, código civil e penal). Criou-se muitos dispositivos de governo para cuidar da formação da criança.

Penso que nos dias atuais, no nosso século XXI, a criança tem uma posição central na sociedade. Cada vez mais se cobra o posicionamento de pais, professores, profissionais de saúde, servidores públicos, juízes, que dê prioridade à criança. Muitos pais se sentem cobrados (e culpados) caso não consigam suprir as expectativas que a sociedade espera, quando não podem dar mais para os seus filhos, quando não conseguem barrar o desejo deles. A criança pode se tornar uma tirana, um reizinho, que governa a família.

O livro de Philippe Ariès é um trabalho sintético, fruto de uma pesquisa social que tem um objeto de estudo bem delimitado. Certamente, deverá existir outros livros do autor que ampliem estes estudos. Não deixe de ler o livro “História Social da Criança e da Família”.

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