Meio Ambiente e Sustentabilidade por Márcio Silva do Amaral

PL da Devastação

A tramitação do Projeto de Lei (PL) 2159/2021 no Congresso Nacional tem gerado intensos debates entre ambientalistas, juristas, representantes do setor produtivo e a sociedade civil. O PL, que visa reformular as normas que regem o licenciamento ambiental no Brasil, propõe alterações profundas no processo de concessão de licenças para empreendimentos com potencial de impacto ambiental. Embora seus defensores argumentem que a medida trará maior agilidade e segurança jurídica para os investimentos, críticos alertam para os riscos socioambientais associados à flexibilização das regras. Caso aprovado como está, o projeto pode gerar consequências significativas e duradouras ao meio ambiente brasileiro.

Atualmente, o licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), funcionando como uma salvaguarda legal para avaliar e mitigar os impactos ambientais de obras e atividades potencialmente poluidoras.

Impactos Ambientais Potenciais:

1. Aumento do desmatamento e da degradação ambiental

A dispensa de licenciamento para atividades como manutenção de estradas, obras de infraestrutura em áreas rurais e empreendimentos agropecuários pode incentivar o avanço do desmatamento, sobretudo em biomas sensíveis como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Sem fiscalização e estudos prévios, cresce o risco de destruição de habitats, perda de biodiversidade e alteração de ecossistemas.

2. Risco à segurança hídrica

A redução da exigência de estudos para projetos que interferem em cursos d’água — como hidrelétricas, barragens e canais de irrigação — pode comprometer a qualidade e a disponibilidade de recursos hídricos. Isso pode gerar conflitos de uso da água, contaminação de mananciais e afetar populações ribeirinhas e urbanas.

3. Ameaça às populações tradicionais e indígenas

A flexibilização do licenciamento reduz a necessidade de consulta e diálogo com comunidades afetadas. Isso pode intensificar conflitos socioambientais em áreas ocupadas por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que dependem diretamente da preservação ambiental para sua sobrevivência cultural e física.

4. Fragilização do controle e da fiscalização ambiental

Com a possibilidade de autodeclaração dos impactos por parte das empresas, os órgãos ambientais perdem capacidade de avaliação técnica e independência. A ausência de estudos rigorosos pode gerar omissões graves, como projetos em áreas de risco geológico ou com fauna ameaçada.

5. Aumento da judicialização e insegurança jurídica

Contrariando a justificativa de “desburocratização”, a flexibilização extrema pode resultar em mais ações judiciais, embargos e questionamentos de legalidade, sobretudo por parte de Ministérios Públicos e organizações ambientais, aumentando o risco de paralisações e custos futuros aos próprios empreendedores.

Em diversos países, o endurecimento das normas ambientais tem sido uma resposta direta à intensificação das crises climáticas e à degradação dos recursos naturais. Ao caminhar na direção oposta, o Brasil pode sofrer não apenas impactos ambientais diretos, mas também danos à sua imagem internacional, perdendo credibilidade em acordos climáticos, investimentos sustentáveis e comércio exterior.

Além disso, o PL contraria o princípio da precaução — basilar no Direito Ambiental — que preconiza que, na ausência de certeza científica sobre os impactos de uma atividade, deve-se agir de forma preventiva para evitar danos irreversíveis ao meio ambiente.

A eventual aprovação do PL 2159/2021, em sua forma atual, representa um ponto de inflexão preocupante na política ambiental brasileira. Em nome da celeridade e da desburocratização, o país corre o risco de abrir mão de instrumentos fundamentais para garantir o equilíbrio ecológico, a justiça social e a segurança ambiental das futuras gerações.

Em um momento em que o mundo discute soluções sustentáveis para o desenvolvimento, é urgente que o Brasil reavalie os caminhos que pretende seguir. A modernização da legislação ambiental é necessária, mas ela deve vir acompanhada de responsabilidade, transparência e participação social — e não de retrocessos.

Márcio Silva do Amaral

Engenheiro Ambiental
CREA/RS 270848

Instagram: @hidro_vale
Facebook: @hidrovale
E-Mail:  marciotj@gmail.com