Rio Grande do Sul tem maior estiagem desde 2012
Relatório do IRGA aponta os impactos do desabastecimento de barragens e canais fluviais na agricultura.
07/07/2020
Por Clic Paverama | contato@clicpaverama.com.br | Clic do Vale
Em Agricultura e Meio Ambiente
A safra 2019/2020 foi muito conturbada no Rio Grande do Sul, visto que, ocorreram chuvas muito abundantes durante boa parte da primavera e, da metade de novembro em diante, houve escassez de chuvas, caracterizando uma das maiores estiagens do Estado. Até pouco tempo atrás, especulava-se que a safra teria ocorrido sob neutralidade climática, no entanto, no início de junho, a NOAA determinou que a safra 2019/2020 foi de um El Niño de fraca intensidade.
Mas então, por que os efeitos de um El Niño típico não foram sentidos no RS? Primeiro, que o aquecimento foi muito fraco e, segundo, que só houve o aquecimento das águas, não houve o acoplamento com a parte atmosférica, que seria a mudança no padrão dos ventos na região do Oceano Pacífico.
Outro fator é que o aquecimento, além de fraco, ocorreu apenas na região mais central do oceano, chamado Niño3.4, e não houve aquecimento na região Niño1+2, que é a região que possibilita maior qualidade (frequência, abrangência e volume) das chuvas para o Sul do Brasil. Ou seja, não foi um El Niño Clássico. E, também, o Oceano Atlântico Sul esteve em um padrão um pouco frio, o que dificultou ainda mais a retenção de umidade para o RS.
A safra de verão no RS inicia em setembro para o arroz e em outubro/novembro para a soja. Com relação à precipitação, setembro teve precipitações abaixo da média climatológica (Figura 1 B), favorecendo o avanço da semeadura do arroz nas regiões da Fronteira Oeste, Campanha e Zona Sul.
Outubro, como geralmente acontece, teve chuvas bem acima da média e volumes acumulados que superaram os 400 milímetros na Região Central do Estado (Figura 1 C, D). As chuvas prosseguiram por toda a primeira quinzena de novembro (Figura 1 E, F), atrapalhando o avanço da semeadura do arroz no RS. Muitas lavouras da Região Central e Planície Costeira Interna iniciaram a semeadura do arroz após as chuvas.
Em dezembro praticamente não choveu e muitos locais não atingiram os 50mm acumulados no mês (Figura 1 G, H). Tanto as lavouras de arroz quanto as lavouras de soja semeadas em novembro tiveram problemas de germinação, devido à falta de umidade no solo. Algumas, inclusive, tiveram de ser ressemeadas.
Passados esses primeiros percalços da safra, janeiro registrou boas chuvas, onde alguns municípios da Região Central e Noroeste do RS observaram acumulados superiores aos 250mm e a anomalia mensal ficou positiva na maioria das regiões da Metade Sul do Estado (Figura 1 I, J). As chuvas de janeiro foram providenciais, pois se elas não tivessem ocorrido a situação da estiagem no Estado teria sido muito pior.
Em fevereiro (Figura 1 K, L), março (Figura 1 M, N) e abril (Figura 1 O, P), as chuvas ficaram muito abaixo da média climatológica, agravando ainda mais a situação da estiagem. Através da Tabela 1 consegue-se ter uma ideia do déficit de chuvas em alguns locais e que podem ser extrapolados a todos os municípios do RS.
No semestre que compreende os meses de novembro de 2019 a abril de 2020, a variação do déficit hídrico ficou entre -21,8% e -51,9%. Já no trimestre de fevereiro a abril, a variação da precipitação observada em relação à Normal Climatológica ficou entre -55,2% e -72,7% (Tabela 1), ou seja, independentemente do período, o déficit de precipitação foi sempre negativo.
Tabela 1 – Normal Climatológica e valores observados da precipitação, somados entre os meses de novembro a abril, com sua respectiva variação1. Normal Climatológica e valores observados da precipitação, somados entre os meses de fevereiro e abril, com sua respectiva variação2. A variação foi calculada com os dados observados, em relação à Normal Climatológica.
Figura 1 – Precipitação pluvial (chuva) mensal observada para os meses de setembro (A), outubro (C), novembro (E) e dezembro (G) de 2019, janeiro (I), fevereiro (K), março (M) e abril (O) de 2020. Anomalia da precipitação para os meses de setembro (B), outubro (D), novembro (F) e dezembro (H) de 2019, janeiro (J), fevereiro (L), março (N) e abril (P) de 2020. Fonte: Adaptado de CPTEC/INPE.
Embora a cultura do arroz tenha tido alguns percalços, de forma geral, a safra foi excepcional, no que diz respeito à radiação solar e, com isso, a safra teve seu recorde em produtividade, com 8.402,0 kg/ha (168,0 sacos/ha), na média do Estado, segundo os dados levantados pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). Sabe-se que, quanto menor é a frequência das chuvas, menor é a nebulosidade e, consequentemente, mais radiação solar chega à superfície terrestre. Para a cultura do arroz, quanto mais radiação solar, melhor, haja vista o exemplo desta safra, além do adequado manejo utilizado pelos produtores e uso de cultivares produtivas, para alcançar altas produtividades.
Por outro lado, o déficit de chuvas não foi bom para as culturas de sequeiro. A redução na produção da soja foi de 45,8%, com produtividade em 1.793,0 kg/ha, e a redução no milho foi de 31,9%, com produtividade de 5.248,0 kg/ha, segundo os dados divulgados pela EMATER-ASCAR/RS, no dia 8 de maio de 2020. Já no caso da soja em rotação com arroz, a produtividade também foi baixa, ficando a média do Estado em 1.902,0 kg/ha (31,7 sc/ha), segundo dados levantados pelo Irga.
Março e abril são meses em que as chuvas começam a retornar, de forma mais frequente e volumosa, para o RS. Neste ano de 2020, isto não ocorreu, preocupando, também, o setor da pecuária, devido à falta de chuvas para o bom desenvolvimento das pastagens para o gado, além da preocupação com os reservatórios, já em baixíssimo volume ou até mesmo secos. Toda esta situação levou 408 municípios a decretarem situação de emergência devido à estiagem no RS, segundo dados divulgados pela Defesa Civil/RS até 29 de junho de 2020.
Estiagens, sejam elas curtas, regionalizadas, extensas ou que abrangem vastas regiões, são comuns no RS. As duas últimas, que foram tão intensas quanto esta (2019/2020), ocorreram nas safras 2004/2005 e 2011/2012. No RS, sempre busca-se contextualizar as safras através no ENOS (El Niño-Oscilação Sul), que possui as fases El Niño, La Niña e Neutro. Em safras com El Niño, a expectativa é de chuvas superiores à média, em safras com La Niña a expectativa é de chuvas inferiores à média e em safras com neutralidade tudo pode acontecer, pois são os fenômenos de menor escala que irão ter maior influência sobre as chuvas no RS. Mas, você sabe quais as fases do ENOS estavam atuando nas referidas safras acima? Veja na Tabela 2.
Analisando a Tabela 2, observa-se que as estiagens foram similares, porém diferentes fases do ENOS estavam atuando, mostrando bem a complexidade climática no estado do RS. Observa-se que houve grandes períodos de deficiência hídrica nas três safras (Figura 2), porém, os períodos com falta de chuvas foram um pouco diferentes em cada safra, causando distintos impactos na agricultura do RS. Por exemplo, na safra 2004/2005, o déficit hídrico foi mais pronunciado entre os meses de dezembro e março, já na safra 2011/2012, na Fronteira Oeste, o déficit de chuvas durou seis meses, de novembro a abril. Na safra 2019/2020, o déficit foi maior no trimestre fevereiro, março e abril, porém, na Fronteira Oeste e em parte da Campanha e Zona Sul, o déficit persistiu por cinco meses consecutivos.
Figura 2 – Anomalia da precipitação nos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março e abril, durante as safras 2004/2005, 2011/12 e 2019/2020. Fonte: Adaptado de CPTEC/INPE.
Como todo agricultor sabe, os impactos da falta ou excesso de chuvas irá depender de quando ela ocorre e é por isso que em alguns anos os impactos socioeconômicos são maiores que em outros, ou até mesmo, podem haver impactos positivos para determinadas culturas e impactos negativos para outras. No caso do arroz irrigado, na safra 2019/2020, o impacto foi positivo, devido à radiação solar ter ficado acima da média.
A anomalia da radiação solar na Metade Sul do RS, em relação à Normal Climatológica, foi de -0,7 MJ/m2 no trimestre DJF (2018/19). Já no mesmo trimestre da safra 2019/20, a anomalia foi de +2,1 MJ/m2, o que justifica o elevado valor da produtividade média de arroz alcançada na safra 2019/20 no RS.
Comparando somente janeiro de 2019 com janeiro de 2020, a diferença da radiação solar na Fronteira Oeste, Campanha e Região Central foi, em média, 30% superior em 2020. Quando se compara a radiação solar das safras 2004/2005, 2011/2012 e 2019/2020 com a Normal Climatológica no trimestre DJF, obtém-se valores médios, na Metade Sul do RS, de 5,4, 5,6 e 9,6% acima da média. Mostrando que a safra 2019/2020 parece mesmo, ter tido um dos maiores índices de radiação solar já registrados.
Mas o produtor de arroz precisa ter em mente que nem todas as safras registrarão índices de radiação solar superelevados. Assim como os produtores de soja, que necessitam de chuvas para suprir a demanda hídrica das lavouras, precisam ter em mente que nem todas as safras terão chuvas suficientes, como vinha ocorrendo nas últimas sete safras. Adequar época de semeadura, ciclo de cultivares coerentes com as épocas de maior disponibilidade de radiação solar ou precipitações, investir em sistemas adequados e eficientes de irrigação são fatores que os produtores precisam levar em consideração para mitigar possíveis obstáculos que o clima possa vir a oferecer.
Jossana Cera é meteorologista, doutora em Engenharia Agrícola pela UFSM e consultora do Irga.
Fonte: IRGA
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